terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Sem título - Capítulo Primeiro

Em plenas férias, sem muito a fazer, resolvi insistir no erro. Ainda não está como queria que estivesse - ainda tenho que trabalhar bastante na narrativa dessa bagaça - mas dá pra ter uma ideia. Vou melhorando aos poucos, de edit em edit, sem avisos, se é que preciso avisar alguém. Enfim. Quem continuar a ler recebe minha gratidão e perde tempo.

Ps. Se estiver interessado(a) em ler esse capítulo, sugiro que leia o prólogo primeiro.
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Capítulo Primeiro



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O Sr. Andrei sempre marcou a memória de quem o conhecia como um homem agitado. Possuía estatura mediana e era corpulento, apesar de já ter alcançado a faixa de seus cinquenta anos, talvez um pouco mais. De sua cabeça não brotava sequer um fio de cabelo; ficara careca cedo, por volta dos trinta, talvez por reflexo da sua genialidade: um homem cuja inteligência parecia não ter limites. Raramente se viam pessoas mais sábias ou pálidas que ele.

Não dispensava o cuidado com a aparência. Vestir-se bem sempre fora uma de suas prioridades, pouco importando a ocasião. Possuía um vasto guarda-roupas, em tons discretos, predominando o preto e o cinza-escuro, com ternos suficientemente largos para cobrir seu corpo por completo.

Quase chegava a ser uma figura cômica, não fosse pelo rosto, de um ar profundo, indescritível, como se estivesse sempre a analisar cada detalhe minuciosamente. Possuía olhos de um azul hipnótico, que intimidavam quem quer que fosse seu interlocutor, falando por ele próprio e poupando-lhe o esforço de ameaças. Simplesmente refletiam seu interior: não era nada ingênuo, não podia ser enganado. Mentiras jamais o iludiriam, e todos eram capazes de perceber. Ninguém lhe escondia nada. Era como se, ao falar com alguém, fosse capaz de farejar e absorver os fatos sem dificuldade alguma. Não tolerava erros. Tampouco era capaz de perdoá-los.

Impunha autoridade por si só.

Andara a passos rápidos de um lado a outro de seu escritório ao longo de todo o dia e o anoitecer. Passos particularmente ligeiros, mais ainda que o de costume. Algo ia mal. Muito mal.

E, de fato, os lucros haviam caído estrondosamente nas últimas semanas, mesmo com o aumento constante da demanda. Significava que o fornecimento não estava a altura. Poucas coisas o irritariam tanto quanto isso. E uma delas conseguiu. Uma delas justificava mais ainda sua paranóia constante.

Rumores de concorrência.

Foi a gota d'água. Não poderia nem pensar em concorrência. O mercado em que atuava sempre foi perigoso, e todas as transações executadas em sigilo absoluto. O silêncio era primordial. O fato da ilegalidade o exigia.

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Campfel e Nicolai aproximaram-se daquele homem imundo e, sem quaisquer dificuldades, colocaram o pano embebido em éter sobre seu nariz e boca, segurando firme sua cabeça. Apresentou pouca resistência, até amolecer por completo. Asseguraram que não gritaria nem incomodaria a ninguém; com uma simples bola de meias na boca e algum pedaço de plástico unindo suas mãos. Já carregavam o mendigo devidamente anestesiado e amordaçado para o porta-malas do carro. Suas mãos eram protegidas da pele encardida do homem por suas luvas de couro, impedindo que corressem qualquer risco de contaminação. Mesmo assim notavam que sua epiderme era extremamente áspera, como se tivesse transmutado numa couraça de couro duro e inflexível para resistir ao mau tempo e às péssimas condições. Devia ser um homem valente, a julgar pelo fato de ainda permanecer vivo e persistir nisso depois de tanto tempo. Uma pena. O pobre jamais acordaria novamente.

Cumpriam a tarefa tomados por um desânimo evidente. Não deveriam estar ali. Afinal, o que Andrei queria com mendigos? Era claro que raramente algo deles seria aproveitado. Mas foram mandados e era dever deles. Obviamente questionaram o chefe no dia anterior, quando lhes foi dada a tarefa, mas este se absteve de dar qualquer justificativa que elucidasse a situação. Manteve-se em silencio por longos minutos. O primeiro sinal do desespero. Seria assim e pronto. Não havia necessidade de justificar nada a ninguém. Tinham em mente que algo estava errado, e logo saberiam o quê.

Depositaram o pária no porta-malas, despreocupados em olhar em volta para verificar se ninguém os observava. A rua era escura e deserta, num local relativamente ermo. Estavam seguros. Deram a volta e abriram as portas da frente. Sentaram-se e bateram suas botas umas nas outras, observando a poeira a deixá-las em forma de uma fina nuvem de fumaça.

Entraram e fecharam as portas ao som da ignição. O carro arrancou, levando-os pelas ruas vazias a um dos hospitais-necrotérios particulares de Andrei.

Foram recebidos friamente, como de costume, no estacionamento do primeiro andar subterrâneo, onde todos os indivíduos inconscientes chegavam. O leito chegou e simplesmente abriram o compartimento traseiro e deixaram que os enfermeiros se encarregassem de deitar o homem e levá-lo para os andares inferiores, o quarto e o quinto subsolo, onde ficavam os consultórios em que todas as vítimas eram analisadas, para então serem levadas mais acima, às câmaras de extração, no terceiro e segundo subsolo. Os elevadores saíam do primeiro diretamente para o quarto e o quinto andar, sem conexões diretas com os outros dois. Todos que lá chegavam eram obrigados a passar pelos últimos andares antes de subir novamente para o segundo e o terceiro. Só então poderiam retornar ao estacionamento e a superfície.

Era a maneira que Andrei havia encontrado para assegurar que os agentes seriam obrigados a fazer o mesmo percurso que suas vítimas. Acompanhariam-nas durante o diagnóstico e a extração do que quer que tivessem de útil, até que os transplantes fossem concluídos. Só então receberiam uma espécie de certificado do médico responsável pelas cirurgias, contendo todos os dados; quantas peças haviam sido aproveitadas, quais, sua eficácia, o preço pago pelo receptor e outras informações a respeito do processo. Assim finalmente estariam livres para apresentar-se aos assistentes de Andrei e receber a comissão e novas tarefas. Então viriam os próximos raptos, as próximas vítimas e os lucros. Tratava-se de um processo cíclico e complexo. Entretanto, jamais poderiam abusar ou fazer tudo em excesso, com o pensamento somente na recompensa. A discrição era a ferramenta mais importante para que toda a indústria funcionasse. Sem isso, todo o sistema minuciosamente planejado e construído ao longo de vários anos desmoronaria em questão de horas.



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Era fim de tarde. O Sol se punha e o sorriso estampado no rosto da jovem contrastava vertiginosamente com sua situação. Tinha poucos dias de vida. Uma semana, na melhor das hipóteses. A doença se alastrara rapidamente. Seus pais choravam ao seu lado, desconsolados, sem esperanças. Sua irmãzinha não entendia o que se passava, mas preferiu guardar o silêncio diante da tristeza dos pais. Era melhor que podia fazer seria não piorar a situação. Foi o que fez. Ainda não compreendera o conceito de morte. Esperava que a irmã voltasse em algumas semanas ou alguns meses, como numa viagem. Mas não haveria volta. É algo que sua jovem mente de quatro anos de idade ainda não alcançara.

No leito, a jovem tentava ser amável, mal reconhecendo aqueles que a rodeavam, mal sabendo quem era ou porque estava ali. O cérebro fora corroído silenciosamente ao longo de seus treze anos de existência até chegar àquele ponto. A degeneração era irreversível. Era como o mal de Alzheimer exponencialmente acelerado. Nada podia ser feito. Em breve esqueceria até de como executar as funções básicas para a sobrevivência. Comer, beber e até mesmo respirar. Estaria em estado vegetativo. Era mesmo digna de pena.

O médico entrou no recinto. Ar sério, com uma ponta de melancolia em vista de uma situação tão difícil. Examinou a paciente, contendo com esforço a alegria que sentia por dentro. Saiu após falar umas poucas palavras com os pais da menina, mantendo o mesmo falso tom de compromisso com o trabalho. Andou a passos largos pelo corredor e chegou a uma sala vazia. Tirou o celular do bolso e discou os números. Avisou, em tom de certa indiferença:

- Tenho uma perfeita. Saudável. Aproveitaremos o que for possível. - prendeu a respiração por numa breve pausa do diálogo - Sim. Meia-noite, nos fundos. Entendo.

E desligou.

No momento seguinte, do outro lado da linha, a ambulância já começava a ser preparada. Já haviam sido informados a respeito do caso havia algumas semanas. O motorista se aprontou, ao passo que dois médicos se equipavam. Os clientes já haviam sido selecionados. Pagariam bem. Os agentes teriam uma noite agitada pela frente. Precisavam ser rápidos. Ninguém podia esperar. Ninguém podia falhar. Havia vidas em jogo.


E isso incluía as suas.




(M.L)

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Sem título - Um curto Prólogo

Achei uns velhos rascunhos, dentre eles um que continha o começo de uma história. Resolvi continuá-la pra ver no que dá. Também não é nada demais, provavelmente não vai ser nada muito bom. Mas vai ser um passatempo. Ainda não tenho a mínima idéia de como será final, mas acho que vou trabalhar nisso durante essas férias. Honestamente, nem espero que alguém goste. Se é que qualquer meia dúzia de gatos pingados (quando muito) chegará a lê-la um dia. Esse prólogo ainda não diz sobre o que ela discorre de fato. Como ainda está curto, vou acrescentando conteúdo ao passo que me agradar.
(M.L)
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Prólogo



Os passos tortos do mendigo pisavam a rua mal-iluminada, e, ébrios, tentavam achar o caminho de algum lugar não muito poeirento para se deitar. E esperar a ressaca que viria com o amanhecer. Tropeçava constantemente, caindo com pouca frequência. Geralmente apenas cambaleava por dois ou três metros até retomar o equilíbrio. As pernas trêmulas bambeavam tentando se estabilizar de uma vez por todas. Sem sucesso.

Os trajes evidenciavam que o tempo decorrido desde que estivera em um abrigo não era pouco. Meses, talvez anos. Rasgados com alguns remendos improvisados, permitindo que os ventos alcançassem cada modesta curva daquele corpo raquítico. Andava encolhido. Arrepiado. Os olhos sempre perscrutando a imundície do chão.

Era o retrato da decadência. O rosto transfigurado pelo sofrimento e pela necessidade que passava a cada dia. A dificuldade com que acordava todas as manhãs se refletia em cada traço de sua face, revelando os sulcos que lhe foram cavados no rosto ao longo de sua jornada miserável pelas selvas do egoísmo urbano. Já deixara de ser gente. Já não passava de um animal desprezível largado pelas ruas à própria sorte. Não era um cidadão. Não tinha direitos. Não era reconhecido. Não era. A barba, precocemente grisalha e assimétrica, se misturava a seus cabelos desgrenhados e sujos, vítimas do seu desleixo e da sujeira com que lidava cotidianamente. De toda forma o asseio já não era necessário. Não fazia mais parte da vida que levava. Que era obrigado a levar, queresse ou não.

Sabia que o desnecessário precisava ser cortado, sem questionamentos. Sobreviver era o único objetivo. Mas sobreviver para quê? Também não sabia ao certo. Era a vã esperança de que algo melhorasse, que algum dia pudesse gozar de algum prazer da vida para esquecer os tantos amargores aos quais se submetia. Sabia que lhe era inalcançável. Mas temia a morte. Preferia continuar se iludindo com utopias, imaginando uma vida melhor, mesmo sabendo que esta nunca viria. Era só questão de tempo até que seu corpo parasse de funcionar. A morte provavelmente chegaria com o inverno. E tinha quase certeza de que não sustentaria a própria sobrevivência por mais algumas semanas. Não sabia se era capaz.

Entretanto, e acima de tudo, sabia que a estação mais fria do ano chegaria depressa. Tinha medo, necessidade de um abrigo.

E esperanças.

Tolo.

Parou e se recolheu onde julgou mais viável.


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Não longe dali, dois vultos o observavam, razoavelmente decepcionados. O mendigo bebia. Significava um lucro menor. Bem menor.