

Possui o revólver antigo na mão direita, quase largado, frágil, entregue ao ar parado da sala. A mão esquerda segura a cabeça, forçando o cotovelo contra a mesa. Tufos do cabelo já levemente grisalho entremeiam os dedos franzinos e trêmulos. O coração bate vagarosamente. A calma sobressai apesar de todo o desespero, enquanto um cigarro pende da boca, recém-aceso, soltando sua fumaça que rapidamente trata de se dissipar naquele ambiente mórbido. As feições transmitem um ar fortemente amargo, reproduzindo a mais sincera decepção. Aproveita languidamente o desgosto de seus últimos momentos, saboreando cada vagaroso segundo. É como se não pertencesse mais ao mundo que o rodeia, como um turista que visita rapidamente um lugar e em breve não estará mais ali.
Pela primeira vez em anos sentiu-se realmente livre. Ali, sem quaisquer obrigações, sem dever nada a ninguém, desfrutando da sensação de silêncio que tanto desejou ao longo de toda a vida, porém jamais obteve. Sim, livre. Sem ninguém lhe aporrinhando o saco. Finalmente todas as vozes que lhe tomavam a cabeça se haviam silenciado, o que, por coincidência ou não, só acontecera depois da decisão tomada. Era certo, estaria morto pelas próprias mãos em poucos instantes. Não havia quem pudesse impedir, tampouco convence-lo do contrário. Nesse ínterim, por que não um último cigarro? Retomava o velho e familiar hábito de tantos anos atrás. O tabaco ia-se consumido em tragadas profundas e bem espaçadas. Tomaria algum tempo antes de ser terminado. Revezava seu tempo entre lábios e dedos, por vezes esquecido, entre uns e outros dos últimos devaneios de seu dono, cujo olhar já se perdia entre o sofá empoeirado e a estante abarrotada de livros velhos e sujos. Como se ali entre tantas grandes idéias e palavras restasse alguma última esperança, ou simplesmente algo que lhe despertasse um interesse há tanto perdido no que quer que fosse.
Estremeceu. Deu-se conta que não era sequer capaz de acreditar em si mesmo, o que lhe provocou certa inquietação. Sabia que era um ínfimo pedaço de um nada ainda maior que ele mesmo. Postrou-se diante da mesa lascada, em tom pensativo. Mas não havia mais o que pensar. Estava tudo acabado. Deixou a pose de lado e se recompôs, estudando as possibilidades. Mas que possibilidades?, pensou. Não havia nenhuma. Mais nada.
Passou os dedos pelas bordas do bilhete que deixaria a quem quer que o encontrasse jazendo morto no chão da sala, deitado sobre uma poça de sangue. Quem sabe até algum familiar poderia chegar a lê-lo, se tivesse sorte. Escrevera poucas palavras. Um típico último adeus de um suicida que soa tão misterioso aos vivos. A ele parecia simples. Apenas se pôs a rabiscar algumas últimas palavras e assinou. Não havia grande motivo para pensar muito a respeito. Depositou aquele maldito papel sobre a mesa e deu sua última tragada, sentindo a fumaça entrar profundamente em seus pulmões.
O cigarro acabou, por fim. Não se preocupou sem se livrar das cinzas. Não faria a menor diferença. Jogou-o para o lado, a qualquer canto da sala, e limitou-se a suspirar. Finalmente estava pronto. Empunhou o revólver mais firmemente, apertando os dedos e a palma da mão contra o cabo. Engatilhou-o e posicionou seu indicador, com a ponta do cano da arma já colado ao céu da boca, para que não corresse o risco de sobreviver. O projétil se alojaria diretamente no cérebro, sem alternativa além do falecimento súbito e indubitável.
Apertou o gatilho, finalmente.
Clic. Bum. E mais um corpo vai ao chão.
Só lamentava não poder ver a reação da esposa e filhos quando entrassem pela porta.