segunda-feira, 1 de junho de 2009

Cotidiano de um casal feliz







Toca o despertador.

Ela acorda.

Ele acorda.

Ela se levanta e abre as cortinas para a luz entrar. Tira a camisola e toma um banho morno no banheiro de azulejos azuis, depois se veste, se debruça em frente ao espelho e começa a pôr maquiagem. Rímel, sombra, batom. Um batom rosa, tímido. E sai para fazer o café.
Ele continua deitado sob os lençóis, resmungando mentalmente. Depois se levanta, tira o pijama e toma um banho frio no banheiro de azulejos brancos. Faz a barba e começa a se arrumar. Abotoa a camisa, põe a gravata, as calças, jogando por cima o paletó. E sai para tomar o café.

O cheiro da comida irradia pela cozinha. Frutas, pães, torradas, suco. Lá está ela terminando de mexer os ovos, de avental em frente ao fogão. Do batente da porta, ele observa tudo com indiferença, ajeita a gravata com uma mão e segura a maleta na outra. Anda até a mesa, senta-se e começa apassar manteiga nas torradas e a comê-las, tomando um gole do suco esporadicamente. Sem dizer uma palavra.

Ela coloca os ovos na mesa, lhe dá um beijo de leve na face, diz bom dia e senta-se para observá-lo comer, deixando escapar um sorriso melancólico. Ele continua a olhar a comida, sem dar atenção a mais nada. Ao terminar, se levanta, ela se despede. E ele sai para o trabalho em silêncio.

Ela o vê sair, vê o carro se afastar e o perde de vista ao dobrar a esquina. Volta para dentro da casa. É o que lhe resta. Tirar a mesa, lavar os pratos e os talheres. Depois, varrer a casa, lavar as roupas, tirar o pó das prateleiras, assistir à novela e fazer o jantar. À noite, o jantar, o amor frio e o choro abafado no travesseiro. O de sempre.

Para ela, a cozinha, a casa, o marido.

Para ele, a comida, o trabalho, o sexo.

O cotidiano de um casal feliz.

7 comentários:

  1. as vezes, um sacolejo é bom.

    sei lá, queimar o arroz, jogar roupas velhas fora, gritar para ser ouvido, derrubar livros velhos, esmurrar o teclado do mouse... eu faço isso quando sinto que ficarei louca repetindo tudo de novo, tudo de novo, como se ficasse presa no mesmo segundo.

    demais, o seu texto.

    Blog Suicide Virgin

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  2. Tão... Real. É a única palavra que encontro para descrever este texto. Parabéns.

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  3. Sempre a mesma porcaria, sempre a mesmo estereótipo de casamento feliz. E quem os vê, ora, os inveja, afinal, há tanta harmonia, tanta tradição.

    Ainda bem que ainda existem seres vivos não é? hehe

    Belo texto!

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. É. Você e seus textos que dão a impressão de que tu acha o mundo uma merda. Muito bons, eles. Quantas vezes eu já devo ter dito isso, hein?

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  6. Textos extremamente realistas.
    Qual é a sua influência literária?

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  7. uou. sério. bizzaro. adorei. nós mulheres estamos ferradas.

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